A homenagem de José Luís Peixoto a Régio no Dia Mundial da Poesia
José Luís Peixoto|JOÃO MANUEL RIBEIRO/GLOBAL IMAGENS
O escritor escreve no seu manifesto A palavra feita de palavras. Poesia em Régio, que será lido esta segunda-feira em Portalegre, que "a poesia é uma torre sobre a vida e sobre a morte"
O poeta José Régio (1901-1960) é homenageado hoje, Dia Mundial da Poesia, em Portalegre, numa iniciativa da Fundação Inatel, em que a praça da República da cidade alto-alentejana e o Centro de Artes e Espetáculos são os cenários para um "espetáculo de homenagem e celebração da vida e obra de Régio, no qual participam vários grupos culturais através da poesia, teatro, música, dança e cinema, numa viagem com encenação a cargo de Hugo Sovelas", segundo a organização.
Na mensagem de José Luís Peixoto, um manifesto intitulado A palavra feita de palavras. Poesia em Régio - que será lida as 19.00, no grande auditório do Centro de Artes e Espetáculo, pelo ator Rui Mendes - é afirmado que "precisamos muito de poesia". "A nossa grande sorte é que a poesia está em todos os lugares onde estamos, como uma sombra do que vemos, pensamos, dizemos, somos".
"A poesia está no que fazemos bem e no que fazemos mal", declara. "O poema é respirar, cada vez que inspiramos e expiramos, ar limpo a limpar-nos o sangue. O poema é fechar os olhos, existir num lugar sem luz e sem corpo. O poema é sorrir, reflexo que não decidimos e que chega aos outros, entre nós e os outros, milagre", lê-se na mensagem de Peixoto.
"Como o mundo inteiro, como todos os momentos, como a própria vida, poesia é ordem e loucura. É ordem quando aquilo que nos faz mais falta é disciplina rigorosa, vírgulas que não poderiam pertencer a nenhum outro espaço, quebras de verso que deixam as batidas do coração na expectativa de um segundo, e é loucura quando esquecemos o essencial, quando precisamos de ser lembrados".
"Poesia é uma palavra feita palavras e, como tal, é um paradoxo feito de paradoxos. No poema, como numa torre, todas as palavras são paradoxos em conflito consigo próprios e uns com os outros. Se tirarmos um tijolo, toda a torre perderá força e, tarde ou cedo, cairá. É a tensão que os tijolos mantêm entre si que permite o equilíbrio da torre. A poesia é uma torre sobre a vida e sobre a morte", escreve José Luís Peixoto, autor alto-alentejano, natural da freguesia de Galveias, a cerca de 70 quilómetros de Portalegre.
"No entanto, um monte de tijolos não é uma torre, um monte de palavras não é um poema. Chamem-se os engenheiros civis, por favor", escreve Peixoto que atesta em seguida que "aquilo que é nomeado torna-se concreto, como uma pedra na palma da mão, como uma pena entre o indicador e o polegar".
"Então, podemos encontrar o lugar certo para esses objetos. Não faltam maneiras de os arquivar: peso, tamanho, sabor. Se essa ordem fizer sentido transportará verdade. A verdade é um espelho. De certo modo, um poeta é um engenheiro civil que constrói espelhos. De certo modo, o poema é um espelho. Mas, de certo modo, o poema é qualquer coisa", prossegue o escritor, para quem o desafio é procurar a poesia, "aceitá-la, aprender a sentir-lhe o gosto. Dessa maneira, a vida ganha um brilho que, afinal, sempre esteve lá", remata.
O Dia Mundial da Poesia, celebra-se a 21 de março, tendo sido criado na 30ª Conferência Geral da UNESCO a 16 de novembro de 1999.
O Dia Mundial da Poesia celebra a diversidade do diálogo, a livre criação de ideias através das palavras, da criatividade e da inovação. A data visa fazer uma reflexão sobre o poder da linguagem e do desenvolvimento das habilidades criativas de cada pessoa. Neste dia realizam-se várias atividades pelo país, sobretudo nas escolas, bibliotecas e espaços culturais.
A poesia contribui para a diversidade criativa, usando as palavras e os nossos modos de perceção e de compreensão do mundo.
A 21 de março assinala-se também o Dia Internacional das Florestas.
Todos os anos, no Dia Internacional das Florestas, celebramos [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, ICNF] as formas como a floresta e as árvores nos sustentam e protegem. Este ano queremos chamar a atenção para o papel fundamental das florestas no abastecimento do nosso planeta com água doce, que é essencial à vida.
Mensagem de Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, por ocasião do Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2016
Shakespeare, que morreu há 400 anos, escreveu em “Sonho de uma noite de verão” que: “O olho do poeta, no frenesi, o faz olhar do céu à terra, da terra ao céu. E como a imaginação corporifica as formas de coisas desconhecidas, a pena do poeta as transforma em formas e dá ao nada uma habitação e um nome ".
Ao prestar homenagem aos homens e mulheres cujo único instrumento é a liberdade de expressão, que imaginam e agem, a UNESCO reconhece na poesia o seu valor como um símbolo da criatividade do espírito humano. Ao dar forma e palavras ao que não as tem – como a beleza insondável que nos rodeia, o imenso sofrimento e miséria do mundo – a poesia contribui para a expansão da nossa humanidade comum, ajudando a aumentar a sua força, sua solidariedade e sua autoconsciência .
As vozes que carregam a poesia ajudam a promover a diversidade linguística e a liberdade de expressão. Elas participam do esforço mundial para a educação artística e a disseminação da cultura. A primeira palavra de um poema, por vezes, é suficiente para recuperar a confiança em face da adversidade, para encontrar o caminho da esperança em face da barbárie. Na era da automação e do imediatismo da vida moderna, a poesia também abre um espaço para a liberdade e a aventura inerentes à dignidade humana. Do canto “Arirang” da Coreia ao “Pirekua” do México, os cânticos “Hudhud” do povo ifugao, o “Alardah” da Arábia Saudita, o “Koroghlu” do Turcomenistão e o “Aitysh” do Quirguistão, cada cultura tem sua arte poética que usa para transmitir conhecimentos, valores socioculturais e memória coletiva, aspectos que fortalecem o respeito mútuo, a coesão social e a busca pela paz.
Hoje, eu aplaudo os profissionais, atores, contadores de histórias e todas aquelas vozes anônimas comprometidas com e por meio da poesia, realizando leituras nas sombras ou nos holofotes, em jardins ou nas ruas. Clamo a todos os Estados-membros para que apoiem este esforço poético, que tem o poder de nos unir, independentemente da origem ou da crença, pelo que é a própria essência da humanidade.