A máxima que diz que a almofada é uma boa conselheira está certa e recomenda-se. A menos que fique encostado a ela a mexer no telemóvel em vez de dormir, já que o vamping não traz saúde a ninguém.
Texto de Ana Pago
Vampiros, por definição, não servem de exemplo a ninguém: pálidos, olheirentos e enfermiços, com rotinas de sono duvidosas e péssimos hábitos alimentares. As crianças devoram os brócolos com medo que um vampiro as leve se não os comerem. Mulheres maquilham-se para não saírem de casa com a sua manifesta falta de cor. Mas então porque insistimos em passar as noites agarrados ao smartphone, a dormir tão pouco como os vampiros – e a engordar com isso?
“O termo vamping refere-se, no contexto, à prática de ficar acordado até muito tarde fazendo uso de aparelhos eletrónicos como um computador, um telemóvel, uma consola de jogos”, explica o psicólogo clínico Vítor Rodrigues, familiarizado com este fenómeno que se iniciou com os jovens, se estendeu a todas as idades e resulta da junção dos termos ingleses vampire (vampiro) e texting (escrever mensagens de texto).
“Terá tido origem na ideia de que os vampiros permanecem ativos durante a noite, o que implica com frequência dormir menos do que seria adequado”, resume Vítor Rodrigues, considerando que não haver um portuguesismo para esta adição que compromete o descanso não significa que não se saiba já muito sobre os danos que pode causar. A começar pelo facto de dormir pouco não dar ao cérebro tempo para se revitalizar, impedindo que o pulsar do líquido cefalorraquidiano o limpe de toxinas.
Um sono adequado em quantidade e qualidade favorece a aprendizagem, a memória, o foco, a criatividade e a capacidade para tomar decisões.
“Um sono adequado em quantidade e qualidade favorece a aprendizagem, a memória, o foco, a criatividade e a capacidade para tomar decisões”, enumera o especialista em psicologia clínica e da saúde. Pelo contrário, a sua falta associa-se a comportamentos de risco, falta de concentração, impulsividade, dificuldade em resolver contratempos e problemas de saúde mental do foro depressivo, ansioso e por aí fora, diz.
É um impacto bem mais preocupante do que se apenas acordássemos a embirrar com o mundo antes dos primeiros cafés: segundo um estudo publicado na revista Science Advances, não dormir o suficiente é responsável por uma reação química no organismo que resulta na perda de massa muscular, a par de um maior armazenamento de gordura que não queremos, de todo, ver acumulada em nenhuma zona do corpo.
Uma pesquisa da Universidade de Michigan, EUA, relaciona mais uma hora dormida todas as noites com uma perda de até sete quilos por ano, ao passo que outros estudos mostram que cortar três ou quatro horas ao repouso normal nos faz ingerir cerca de 400 calorias extra no dia seguinte por desregular as hormonas grelina e leptina, que controlam o apetite.
“Dormir não serve apenas para conservar energia. Por si só, a falta de sono é capaz de reduzir os níveis de proteínas, que são os principais componentes dos músculos”, revelou ao The Guardian o investigador Jonathan Cedernaes, do Departamento de Neurociência da Universidade de Uppsala, Suécia, depois de numa primeira fase ter confirmado que sonos curtos e intermitentes fazem as pessoas comer mais e pior, com desejos súbitos de alimentos gordos e açucarados.
Sonos curtos e intermitentes fazem as pessoas comer mais e pior, procurando conforto em alimentos ricos em açúcar e gorduras.
Como se não bastasse, o endocrinologista sueco descobriu que dormir pouco distorce ainda os níveis de proteínas do tecido adiposo, contribui para reduzir a proteína estrutural (fundamental para a construção de massa muscular) e prejudica funções básicas que resultam numa maior acumulação de gordura no corpo, mesmo que a pessoa coma bem e pratique exercício físico.
“As funções do sono são insubstituíveis”, reforça Cedernaes, ciente do real impacto genómico e fisiológico de noites mal dormidas no corpo e na mente, com base em tudo o que a ciência já sabe da relação entre o trabalho por turnos e um aumento do risco de se vir a sofrer de doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, diabetes, obesidade e até cancro.
“Além de afetar negativamente o sistema imunitário e comprometer a recuperação orgânica, a reparação de tecidos, a desintoxicação do cérebro e a construção de conexões neuronais. À parte isso, não dormir o suficiente porque ficámos a mexer no telemóvel nem tem inconvenientes”, ironiza o psicólogo Vítor Rodrigues.
Não há volta a dar, diz: resistimos pior à falta de sono do que à fome, embora ninguém negligencie a fome como faz com o sono. Na dúvida, é só seguir estas regras básicas:
Procure dormir mais ou menos à mesma hora durante toda a semana.
O quarto deve estar limpo e organizado, com uma luz, temperatura e ruído adequados à pessoa que nele repousa. Se costuma sentir sono muito tarde, deite-se 15 minutos mais cedo todos os dias até acertar os horários.
Crie uma rotina antes de se deitar (esta atitude é particularmente importante nas crianças).
Crie zonas de desaceleração antes de dormir, para que o corpo transite de um ritmo mais agitado e estimulante para um ambiente mais tranquilo. Enquanto isso respire calmamente, visualize cores agradáveis e conte de frente para trás.
Não faça sestas nas oito horas que antecedem o sono da noite.
E nem por períodos de mais de 20 minutos. Evite ainda o exercício físico nas últimas três horas do dia antes de ir dormir e assegure-se de que o colchão, a almofada, o estrado e a própria cama estão adaptados ao seu corpo.
Não veja televisão na cama.
Se a tentação for mais forte, evite pelo menos programas que lhe deixem os sentidos alerta. E não utilize smartphones, tablets ou outros dispositivos eletrónicos, cuja luz azul irá influenciar a ação da melatonina (a hormona que controla o sono).
Vá para a cama quando tiver sono.
Caso sinta necessidade de se ocupar com uma atividade antes de adormecer, opte por algo relaxante como ouvir música suave ou ler um livro num ambiente calmo (com luz amarela não muito intensa). Não leve para a cama trabalhos que despertem a atenção.
O sexo, no seu caso, desperta em vez de relaxar?
Então evite fazê-lo imediatamente antes de ir dormir. Ah, e nada de beber um chá para rematar: se depois tiver que ir à casa de banho a meio da noite e não conseguir voltar a adormecer, lá se vai o efeito calmante.
Mantenha rotinas independentemente do seu horário de sono.
Os desafios de dormir durante o dia são diferentes dos de dormir à noite. Porém, uma vez que somos seres de hábitos, convém termos horas para adormecer e para acordar dentro dos intervalos de tempo adequados às nossas necessidades.
Faça refeições regulares.
O ideal é que sejam mais abundantes ao início do dia e menos no final, preferencialmente até duas horas antes de se deitar. Corte ainda nos alimentos pesados, açucarados e nas bebidas alcoólicas e estimulantes.
Fonte: https://life.dn.pt/vamping-sabe-o-que-e-e-como-afeta-o-sono-e-nos-faz-engordar/saude/354664/